Faço uma pergunta… Quem de vocês já teve um amigo zombeteiro, safado, brincalhão, gozador, um M A L A?
Pois é, na pequena vila de Esperança morava Malaquias, como o nome sugere; um MALA. Vivia pregando peças nos amigos, ora fazendo trote, ora buscando meios de fazer mais uma vítima. Verdade; relato um caso real, embora, seus personagens sejam fictícios, e qualquer semelhança é a mais pura realidade.
Setembro veio forte, uma chuva de molhar a alma. Relâmpagos assinalavam o fim do dia. As casas com suas janelas trancadas, os varais solitários recebiam o assovio do vento. Dizer que aquela seria a maior tempestade do ano é prematuro, certo que Malaquias não se importava com ela, montado na sua bicicleta, sacola de supermercado com duas garrafas de pinga, tilintando com o chacoalhar pelos buracos da estrada de barro, com esta chuva e lama, só ajudavam a derrapar.
Malaquias aproxima-se da casa de Ubaldo, um casebre na verdade, como ele, outro dependente do álcool, infelicidade de Clorilda sua mulher, solidão dos filhos. Nunca saberemos ao certo o quanto se é até que se esteja no meio e o meio era sem limites para este tal Malaquias.
A pedra era pequena, grande foi o tombo, maior o número de palavrões que se misturavam aos relâmpagos. Mirou uma, duas vezes e como todo bêbado, acertou de primeira e o vidro estilhaçou. Um grito e uma praga, aquele dedo propositadamente elevado em relação aos demais. A risada forte e o zigue e zague entre buracos cheio com água da tempestade se ia Malaquias para seu rancho.
A porta rangeu ao abrir, depois bateu forte ao fechar, ação do vento, meia garrafa depois Malaquias dormia feito gambá. Não percebeu que o dia clareou, nem que o sol deu o ar da sua graça, apenas os sonhos difusos de quem tem umbral como estampa de fundo.
Onze horas. Um olho se abriu e demorou um século para o outro seguir o primeiro, o mastigar sugeria boca seca, amarga. Esticar os braços era por demais e pedir demais, arcou as costas e olhou a garrafa em meio de volume, apenas olhou, preferiu o café mesmo.
Meio dia. Malaquias sai a pé, percorre a rua inteira, não ouve o “Vagabundo” que Clorilda soltou em praga. Havia um quê dentro dele, um aviso, um recado, um apelo e em pelo saiu, cruzou com a feira lotada, sem ver na verdade alguém sequer. Deu de encontro com a praça, um descampado de tudo, uma castanheira sete copas no centro, quatro bancos no seu derredor. Meia praça percorrida, Malaquias sentiu a fisgada no peito, caiu de joelhos e a cabeça pendeu para o peito e assim ficou.
Uma hora. Ubaldo passa, olha e fica quieto, se chamar a atenção seria vítima de um novo trote, e de certo não esquecera o vidro quebrado. Cristóvão passa de carroça, olha e se cala, seu cavalo diminui a marcha, para e olha para Malaquias, Cristóvão assovia baixo, o cavalo atende e volta à marcha. Matilde uma senhora de programa também passa, vê em Malaquias todos os males do mundo, menos os dela, se cala, baixa a cabeça e lá fica Malaquias de joelhos em plena praça.
Quatro horas, o sinal da única escola soa, todas as crianças saem em disparada, olham um homem de joelhos e percebe o pregador do texto aprendido na aula do dia, respeito é bom para quem ora, seguem correndo para suas casas. Tonhão passa, vindo do açougue e vê Malaquias de joelhos, pensa na sua ignorância, coloca a mão no bolso, sente o rosário, lembra-se da esposa, segue adiante.
Seis horas. Um quê de descrente, os amigos de Malaquias percebem que ficar tanto tempo de joelhos não é só reza, algo aconteceu e agora quem vai ver o que tem Malaquias, Ubaldo se dá como voluntário, no fundo gostava de Malaquias.
A distância diminui em proporção da vontade de voltar, um metro, cinquenta centímetros e a mão toca o ombro nu de Malaquias, nada como resposta, a dúvida dá lugar ao medo, medo se esvai e o desespero é conta fechada. Malaquias estava morto.
Um grito, desespero e dor, todos correram, choravam, e o homem bobo se torna sábio na morte. Um alvoroço, um grita;
– Temos que fazer o velório.
Uma turba em desespero e esperando motivo, saiu em disparada aos quatro cantos, um foi no açougue, linguiça, carne e carvão. Outro à padaria seguir ligeiro, volta de lá com duas dúzias de pães. Mais um corre no boteco, duas garrafas de pinga, beber o morto é coisa que não se pode deixar de fazer. Por último a penhora do caixão, pinho do campo, fininho que dá dó, Malaquias recebe a graça de graça nesta graça em amigos, tornara-se homem importante na morte e morte é coisa que não tem volta.
Clorilda com mais duas amigas lavam Malaquias, risinhos surdos ao perceber que o defunto era bem dotado, um olhar estranho dos maridos e o riso se cala, o olhar não. O terno veio do Pastor que nunca conseguiu converter Malaquias, a gravata veio do juiz de paz que muitas vezes perdera a paz com o defunto, o sapato veio de uma caixa amarrada com fita azul lá da casa de Florinda, prima irmã da cunhada que é casada com o irmão de Solange, que por sua vez não se sabe de onde veio.
Um fumaceiro na churrasqueira indicava bebedeira no preparo das linguiças e dos bifes em churrasco de praia, Ubaldo revirando o rancho do defunto descobre quatro garrafas com butiá curtido no escuro, lambe os beiços e arregala os olhos num sorriso desdentado.
– Uma rodada do melhor para o melhor amigo de todos os tempos, falou com voz entorpecida Ubaldo; e no servir vai derramando butiá nos copos dos outros amigos vivos.
Ubaldo para, pensa, olha para Malaquias e serve outro copo, larga a garrafa, abre a boca do defunto e com a destreza do destro canhoto, despeja meio copo boca adentro, um redemoinho se forma indo goela abaixo, fogo percorre as vias de entrada de Malaquias, esquentando tudo, notadamente se vê a barriga inchar, desabotoando dois botões da camisa doada pela viúva do Umberto o Cozinheiro de um navio naufragado a cinco mil quilômetros dali, quando esta para desabotoar o terceiro botão, gases saem pela via de saída de Malaquias e um apito fino no princípio que foi se alongando como quem estica o couro corrugado para finalizar com um “iiiiieeeeé” , assustando Ubaldo que vira rápido a cabeça e percebe que os olhos do defunto estão abertos, um grito e um desmaio.
Outro veio e não crê no que vê a boca do defunto esta aberta, olha o copo em meio e resolve dar um gole para o morto, a bebida faz outro redemoinho goela abaixo, mas desta vez algo acontece…
Malaquias não só abre os olhos, como fica sentado no caixão, vira para o amigo e sai da sua boca um feroz palavrão…
– Filho da P… Quem deu ordem de beber meu butiá?
Dois saíram correndo levando uma tripa de linguiça enrolada na perna, outro derruba a churrasqueira para deleite dos vira-latas de Malaquias, como quem diz: “É festa”, mais um salta a cerca corroída sem sequer encostar as mãos, Ubaldo se recupera e levanta-se gemendo até que vê o amigo sentado no caixão retirando os tufos de algodão do nariz, uma escuridão se apossa de Ubaldo que desmaia novamente.
Malaquias sai do caixão dá uma olhada em tudo e percebe no intento que sem querer pregou a maior peça nos amigos. Quem falou que morrer não é engraçado é porque não foi amigo de Malaquias, que não entendia porque as mulheres não saíram correndo e ficaram de risinhos olhando para ele.
SOBRE O COLUNISTA: Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 20 títulos já escritos, oito foram publicados.
Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.
Os livros escritos por Dario não tem um foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas.
Para adquirir as obras de Dario basta realizar contato com o escritor pelo Messenger do Facebook (in box) ou pelo telefone (48) 999378198.