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A última Fogueira: confira o novo conto de mistério, baseado em “causos reais” de Imbituba e região, do escritor Dario Cabral da Silva Neto

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Sabe quando a sorte dá seu abraço? Pois bem, recebi o meu. Vivíamos os anos oitenta e já não era tão bom como a década passada, mas tinha seus atrativos. Eu ainda morava no canto da praia da Vila, no rancho. Porém, estava só desta vez e havia um quê de despedida no ar, o mar mexido, embora com água clara e convidativa.

Busquei máscara e pé de pato e a boia com a rede. Já tinha tomado meu café fazia algum tempo e então fui para a água. Sentado na pedra da Baleia, lavei a máscara, coloquei o pé de pato e um deslizar e a água me deu seu abraço. Olhos atentos. Passei pela pontinha costeando as pedras miúdas onde a sorte me foi descrita em lagostas de tamanho médio. Seis lagostas na rede e à volta em sorriso largo.Coloquei água salgada num balde e este na geladeira com as lagostas. Esperar o momento certo, o convite e, assim, o tempo passou. Fazia algum tempo que não via Seu Vadinho, pois ele falecera. As noites ficaram sem fogueira e sem histórias, sem os medos, sem os amigos que sumiram nas ondas. O Canto perdera seu encanto.Mesmo assim, escolhi duas lagostas grandes, daquelas médias, coloco numa panela com água limpa do mar de fim de tarde, cato solitário as lenhas, acendo o fogo e coloco as pedras em círculo, contando a dedo cada amigo sumido. Sentei e esperei que as lagostas, no seu doar, chamassem alguém.Um pouco surpreso, mas sem medo, surpreso por saber-me capaz de sentir que a vida não acaba com a morte. Chorei minhas lágrimas.O cheiro ia longe, chamando, chamando… Vi se aproximar um senhor de estatura mediana, beirando os setenta anos, veio sorrindo, veio pelo cheiro, deu boa noite, e respondi o cumprimento. Apontou para uma das pedras, fiz um sinal que sim, e ele sentou-se.- Boa noite, jovem, (eu era jovem nesta época, rsrs)- Boa noite! Sente-se e fique à vontade, destapei a panela e o vermelho intenso aflorou na fervura da água.- Huuum! Lagosta. Um bom prato!Peguei um de prato barro, talheres agora tradicionais, minha mãe não mais se importaria, estendi, e ele recebeu com um sorriso largo.- Qual o significado deste jantar em solidão? Perguntou ele.- Na verdade, era para cada pedra estar com um dos meus amigos, e aquela (apontei), é a do Seu Vadinho, mas ele não virá, assim como meus amigos não virão.- Estou aqui, um amigo recente, um amigo que partiu faz tempo. 

Olhei para ele por alguns instantes, e como demoraram esses instantes. Servi uma das lagostas e a outra comigo ficou.- Esse Seu Vadinho, o que era seu?- Um amigo de meu pai, meu amigo também, me viu crescer. O vi envelhecer.- Pescador?- Sim, e dos bons.- Sou pescador também. Falou e olhou-me nos olhos entre as sombras da lenha em brasa.- O que pesca o senhor?- Almas.

Ficamos em silêncio por muito tempo. O mar silenciou suas ondas, o ventou calmou seu sopro, o ar mais limpo e com mais estrelas. – Por que Almas?- Porque quando encarnadas nada posso fazer, sou-me proibido. – Hum! E o que o Senhor faz quando as pesca? – Eu as tiro do mar em sofrimento, levando-as para um lugar melhor, onde se recuperarão e seguirão caminho.Abri a minha lagosta, separando cabeça da calda, catei um naco de carne e levei a boca. Ele fez o mesmo. – Um trabalho interessante, mas quem coordena o seu trabalho?

Olhou para o céu e com um dedo apontou…- Meu Pai.- Deus! Afirmei. Ele concordou.- Devo considerá-lo imaterial?- Na sua visão, sim. Na minha, não.- O Senhor esta só?- Agora sim, (riu suavemente) só há duas lagostas de tamanho pequeno para tantas bocas.- Tenho mais e posso dar esta, só catei um cadinho de carne.- Hoje não mais há tempo.Devolveu-me o prato com as cascas da lagosta, deu-me a mão em cumprimento, ergueu-se e, de pé, com a agilidade de moço, sorriu. Recebi seu prato e coloquei as cascas na fogueira e o prato com os outros, ainda o vi caminhando para o mar, vi a batera com mais dois que esperavam por ele. Vi subir a bordo sem molhar a calça tão bem talhada em algodão alvo. Vi quando me olhou de lá, vi quando acenou, vi quando a batera tomou rumo da ilha e se perdeu num nevoeiro…

Minha fome voltou e devorei a lagosta. Meu silêncio era o crepitar da lenha ao vento que voltara a soprar. Ouvi as ondas em serenata eterna quebrando na areia. No céu, as nuvens tapavam estrelas. Senti que seu Vadinho estaria bem. Não mais ouviria aquela frase tão bem liberta: “Seu Merda!”.__________________________________________________________________________________SOBRE O COLUNISTA: Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 21 títulos já escritos, nove foram publicados, o mais recente “Redescobrindo a Vida”.Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.Os livros escritos por Dario não têm foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas. Para adquirir as obras de Dario basta realizar contato com o escritor pelo Messenger do Facebook (in box) ou pelo telefone (48) 999378198. 

Opinião:
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal AHora

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