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Uma Coluna Qualquer: escritor imbitubense viaja no tempo e presenteia leitor com a história do grande bairro de Imbituba: “Nova Brasília?”

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Sabe quando o bolso aperta, o carro fica na garagem, sem bicicleta e, mesmo que a tivesse, pedalar seria complicado?  Tomo o circular e sigo numa proposta de venda de um dos meus livros, “A Caminhada de Zé Mundão”.  Olhar pela janela é como seguir quadro a quadro um filme no qual presente e passado começam a se apresentar.

A pergunta é feita ao senhor que esta ao meu lado: “o senhor sabe por que Nova Brasília? “Nem imagino”,  é sua resposta.Olho novamente pela janela e estampo um sorriso. Minha visão se expande neste desejo de tempo, e tempo parece que é o que mais tenho. Vejo as imagens do presente dando lugar às do passado… O canto da praia da Vila vai ficando para trás. Na areia, aquela linha que nunca fica reta. Eu na minha Monareta, meu olhar busca biquines, a bicicleta e o equilíbrio, meus cabelos longos e cacheados, rebeldes mesmo (risos). Sigo neste pedalar sem destino numa manhã de domingo.Entro onde hoje é entrada do estacionamento do Canto, ontem, uma rua negra de carvão. O calor dobra, o cheiro de óleo em pedra incomoda meu olfato.  Atravesso o trilho, a rua muda na sua cobertura, o barro e a poeira tomam conta.Engraçado que, neste lembrar, os nomes desaparecem, sem efeito ou interesse, ou no meu sentir de aventura, descobrir e gravar não gravam nomes. Sigo nesta linha que serpenteia vila, casas, clubes segregados, onde a cor tinha importância, onde aprendi a dançar, onde era aceito sem ser igual, quem sabe era eu também negro.Subir a ladeira onde hoje é o trevo que divide “Divinéia” e “Village”, mas para mim, guri, era o paredão à direita e o “Céu” à esquerda, imaginava as garotas lindas que dançavam ali. Olhava minha idade e um pensamento pecaminoso surgia. Crescer era preciso (risos).Olhos esbugalhados, ar faltando, pernas ardendo, um grito brota, “venci”! Topo da ladeira, desespero na descida.E se faltar freio? E se furar um pneu? Deus é grande! Lá vou eu, cabelo ao vento, pedal em ponto morto, chiado do pneu no areão, guidão tremendo, vem à curva da taboa, minha costa suada, nem me atrevo a olhar o que passei, sigo adiante aliviado.Olho agora o verde empoeirado pedindo chuva. Olho o morro que se derrama em grama e pedras. As dunas que se entregam ao verde num calar de duna.  Ouço outro bem-te-vi, o caminho do Rei é apenas uma trilha arenosa à minha direita.Neste espelho de tempo onde as imagens se transformam em palavras, a saudade é uma tela recém-pintada, as imagens parecem tão vivas. Uma ou outra pedra recém-cortada, um terreno novo cercado, uma casa no meio da capoeira, um fusca velho desbotado, sinto que pedalar é mover esta manivela de tempo.Descrever este caminho é voltar a ver os jacarés Scania, as Mercedes 1111, carregando azulejos, farinha e outras coisas. Das pessoas, vejo apenas seus passos marcando poeira, seus olhares baixos mirando pó. Lá, uma ou outra casa se arrisca num colorir desbotado, um varal com peças que mostram crescimento em escala, um ou outro vestido estampado colore flores em estampa.Enfim o pequeno trevo, BR-101, a planície se abre ao calor e a poeira, tanto espaço, a caatinga praiana com seus pés de butiá, pequenas dunas arenosas, vassouras e abelhas, suor e sede tão comuns, um verde dançando ao sabor do vento denuncia a roça de mandioca. Do outro lado, o esquerdo, um pasto em declive aceita a água mais abundante, alguns bois pastam sem prestar atenção no tempo, só o farpado indica seu espaço, moega de capim e olhar perdido.No trevo, olhando à direita, uma construção está sendo erguida; grande para mim e para a época. Um varandão enorme. Paro. Olho os homens com seus martelos fazendo caixaria. Chama-me atenção às colunas que começam largas e se afinam conforme sobem; um restaurante? Quem sabe?

Não sabia eu que aquele prédio seria de tamanha importância dali a algum tempo, segui meu caminho, vendo outros pequenos prédios sendo erguidos. A poeira era levantada pelo vento e tingia de vermelho os eucaliptos. “Isto aqui está crescendo”, dizia a mim mesmo.Fui cúmplice de uma época de transformação, de crescimento, desenvolvimento urbano. Deveria sair mais, conhecer mais, viver mais minha cidade. Sei que o canto me encanta, a praia me encanta, mas, tudo esta mudando à minha volta. Eu estou crescendo.

Neste sentir o passado começo a ouvir vozes que se avolumam, casas que enfeitam o que antes era mato, ruas e mais ruas são abertas, neste acelerar do tempo. Vejo pessoas de vários estados, sotaques diferentes, grupos distintos e vozes cada vez mais altas. É o tempo acelerando meu passo neste crescimento.

Ouço, anos mais tarde, o nome do Bairro: Nova Brasília! Por quê?Pergunto ao meu pai o motivo deste nome.- Brasília foi construída e aqui fizeram uma lanchonete e restaurante inspiradas nas mesmas colunas do palácio do presidente (Palácio do Planalto). Daí veio o nome “Nova Brasília” – 

Como sempre, suas palavras e frases curtas, meu pai se cala e some neste sentir de tempo. Fica um quê de saudade apenas.Como quem vira páginas de um livro, o tempo também vira as minhas e, igual ao nordeste que sopra forte, revirando poeira e pó sobre o morro que clama em desespero por chuva, faço o mesmo por fazer o caminho de volta.Quanto mais pedalo, mais rápido as imagens vão se modificando, a estrada empoeirada dá lugar ao asfalto, depois ao concreto, as cores das casas antes desbotadas se dão agora num colorir vivo, o caminho do Rei se perde na história e no tempo dando lugar a Votorantim, some o paredão, esconde-se o “Céu”, o trevo se alarga dando a visão magnífica do Porto e o meu pedalar acelera na potência das cargas dos mais variados caminhões de hoje. As pessoas que antes miravam o pó e o chão da estrada seguem céleres nos seus carros.

Vou seguindo estas visões, quadro a quadro, trazendo no bolso mais trinta reais, um sorriso largo nos lábios, uma imagem refletida no vidro da janela do circular mostra meus cabelos brancos, meus olhos nostálgicos e um suave bater do coração em meu peito.Para aqueles que não sabiam ou nunca ousaram saber, agora o sabem: Nova Brasília é o que é pela homenagem de um dos seus à Capital da Nação.  Arcos e colunas invertidas, que também se perderam no tempo, não existem mais.Vislumbro a praia de hoje antes que o circular faça a curva. Ainda me vejo nas ondas, mas isto é outra história a ser contada.Chia o freio e sopra o ar comprimido, a porta abre-se e eu saio e sigo meus passos mais lentos, o tempo é um soprar de vento num bom livro que se lê.

Opinião:
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal AHora

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