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Sob o espectro da especulação imobiliária, escritor Dario Cabral Neto lança ‘Um Olhar Geral’ sobre Imbituba, seu povo e seus “cafetões”

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Um olhar geral

Revestido de saudade, saí pelos bairros de Imbituba sob a luz da juventude. Caminhei, andei de bicicleta, fiz das janelas dos ônibus uma película de filme em preto e branco num cenário mudo.  

Surfei Ondas, caminhei ofegante pelas Dunas, fui testemunha da metamorfose do Centro, olhei, saudoso, o Hotel Grande, a Usina, nadei na Lagoa da Bomba, pesquei na Ibiraquera, refiz o Caminho do Rei, caminhei sobre as sombras do Maquiné, fiz minhas orações na base da Pedra da Cruz, olhando o mar sereno e belo. Presenciei na última baleia caçada a atrocidade humana, assim como não imaginaria nunca se não estivesse lá para ver Itapirubá se transformar numa ilha.

Nestes 60 anos de observação, exploração e cata de histórias, vi por esta paleta de cores onde pincéis invisíveis desbotam casas, pessoas, cenários que antes tão coloridos foram.

Quantas mudanças nesta cidade sessentona, que, ao contrário de nós, cada vez mais se transforma. Não envelhece, ao contrário, maquia-se com novos edifícios, mirantes, transforma legados antigos em empreendimentos modernos, entretanto, como pequenas erupções na pele, algumas máculas aparecem deixando cicatrizes. Nisso somos iguais.

Aceleramos o ritmo nas ruas asfaltadas, percebendo que, do passado em barro batido ou coberto com cinza de carvão, só a lembrança guarda. Percebo, lutamos tanto, mas tanto, como teimosos buscando um punhado de espaço, teatro, clubes, colégios, escolas, praças, um recanto para ver o pôr do sol, conquistamos e tudo passa, esquecemos como meros escravos jogados aos leões. Esquecemos o que somos, onde nascemos e o que queremos de nossa cidade.

Redesenhamos o Centro, pintamos o asfalto para dar segurança, colocamos nomes pesquisados aos feitos, aos formatos de deck em praias, desenhamos rótulas nos cruzamentos, como fazíamos quando meninos nas calçadas. Objetivamos valores, ficamos orgulhosos das conquistas edis nas cadeiras da Casa Legislativa Municipal, louramos nossa fronte com um gabinete fortificado. Quem somos?

Sou poeta, romancista, munícipe, pessoa, um ser sem importância buscando fazer a diferença, sou mais um na grande multidão, sou mais um na calçada olhando o nada neste tudo ilusório. 

Então percebo nossa cidade, amada cidade das ondas, das dunas, dos lagos, do turismo aquático, dos bairros de pousadas, dos mirantes cuja visão é lançada ao mundo. Percebo que tudo é ilusão, que existe, sim, uma grande prostituta chamada Imbituba, onde cafetões vendem seu corpo e dele fazem negócio. Antes de colocarem-me na cruz e jogarem ovos; pensem…

Quantos dos nossos conseguiram trabalho na ICC? Quantos dos nossos conseguiram ingresso no Porto? A Santos Brasil veio e quantos dos nossos trabalham lá? Quanto do nosso patrimônio foi lançado à venda em surdina e que agora brotam pequenos edifícios e onde estamos nós? 

Criamos processadores que nada processam, matamos a lagoa, ficamos cegos aos esgotos lançados em pleno Centro e não vimos nada… Colocamos lixeiras e depositamos lixo no chão, gritamos: não pode animal na praia, criamos uma guerra, rompemos vínculos em detrimento da convenção ‘errado x certo’. Redesenham pontos de ônibus e no outro dia estão destruídos. De repente achamos legal disparar um foguete da janela de um colégio e, além disso, filmar, legal né?

Basta vir um de fora de terno e gravata, dizer um nome legal, de repente proprietários de cargos, lotes, edifícios tombados, espaços tombados, são diretores, presidentes, gerentes, e o que acontece? Acaso, não temos instrução? Não somos capazes? Tem mais. A arrogância é tamanha que se tentamos contato, não passamos do corredor, da sala de espera, do portão. Estou errado? Isso não acontece?

Ficamos restritos à Prefeitura e ao comércio, ficamos como formandos dispostos à função de estagiários, incrível né como escrevo ilusões, nada disso há na minha cidade. Vejo empresas novas construindo à beira da BR-101, é verdade muitos conseguem emprego, trabalho, mas falta tanto por fazer, tanto para suprir as necessidades.

Entendo que se ficarmos prostituindo nossa cidade aos senhores de terno e gravata vindos de fora, bom vocabulário, bolso cheio, dentro de pouco tempo não teremos praia, nem lagos, nem mirantes, nem canto para ver um amanhecer de esperança, porque somos apenas número em planilhas, dados em computadores, margem de lucro, somos apenas nativos bobos sem conhecimento para suprir vagas, somos destinados ao circo e ao pão, festas e cerveja. 

É por isto que escrevo pela saudade dos anos setenta, onde ondas diferentes rolavam num surfe clássico, onde o vento fazia crista no topo da duna, onde a poeira da estrada ainda nos pertencia.

Não cito nomes, não denuncio ninguém, não acuso ninguém, uma palavra sequer é direcionada, sei que cada um tem o direito de conquistar seu espaço e que o mercado é feito de oportunidades, que as urnas são cegas, surdas e mudas até seu escrutínio, louvado seja o vencedor. Não prego discórdia, apologia, crença, não; não faço isso nestas linhas, mas quando percebo que sou ninguém, sem direitos, sem respeito, sou apenas ninguém. Formulo uma pergunta… Para quem deixarei minha Cidade? Aí percebo que devo encerrar este ciclo de textos com meu desabafo. 

Não culpo ninguém, apenas abaixo a cabeça mirando a calçada, respiro fundo, faço uma prece, pedindo se acaso pereça que seja rápido.

Entristece-me ver que estamos ainda lutando por espaços, digladiando por espaços, lutando por um frasco de soro num hospital, orando aos céus por um atendimento humano, é eu estou velho, escrevendo mentiras, perdoe-me a falta de respeito, estou entrando numa fase sem volta, mas se estou errado atirem-me a primeira pedra, é fácil sempre ando pelo centro, ou lá no canto, atirem-me a primeira pedra.

Opinião:
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal AHora

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