Uma Volta no Centro
Aquela segunda-feira, tão igual há tempos sem fim, o que mudaram foram as tarefas que tinha por fazer. Coloquei minha calça Lee boca de sino, uma camiseta fina Hering, congas protegendo meus pés, uma lista de coisas por fazer… Molho meus cabelos cacheados e longos, chacoalho imitando meu cachorro “Parati”. Olho o efeito, pentear não daria mesmo, saio de casa sem saber-me satisfeito.
Minha primeira visão, as barracas encostadas no muro da Cerâmica, bar, açougue, reforma de calçados, todas grudadas entre si, supriam as necessidades dos trabalhadores. O Restaurante do Tibúrcio servia de tudo um pouco e, se não tinha, buscava suprir. Olhar aquele quadro numa mistura de tinta e madeira crua; era olhar um quadro bem elaborado de uma desordem organizada.
Centenas de bicicletas, com suas marmitas penduradas no guidão, esperavam por bocas famintas. Quantos acidentes conhecidos, hilários, neste caminho de bicicletas, todos os dias com precisão suíça ali estavam. Quando não, tinha motivo, derraparam nas pedras do trilho e mergulharam na Lagoa da Bomba ou nos alagados da Barrinha do Araçá.
Na esquina o Bar do Juvenil, a Agência Santo Anjo, ponto e rodoviária. Quantas vezes fui chamar meu pai no bar, ponto de encontro de mentirosos e outros. Por lá ficava, tonto com a espuma da cerveja de casco verde, exigências do hábito, lembrando que, nesta esquina, residência do senhor hoje centenário Eduardo Elias, com seu taxi dos anos 1960, companheiro de aventuras do meu pai, que nas idas e vindas da Capital, visitavam algumas plantações de milho, ali nas Sete Pontes.
Neste trajeto tão curto, tão cheio de espaço vazio, era quase obrigatório passar pela loja do “seo” Zélio, o refeitório da Cerâmica, que já foi sede da Banda. O Bar do Julinho, com seu Senadinho, onde crônicas acaloradas aconteciam com os Políticos da Cidade, disputas e muitas vezes o calor das divergências era motivo de plateia. A Loja da Dona Maria Dalva, com suas peças de fazenda, clientela cativa. A cigarraria Central do Maneca Hipólito, onde no balcão um tabuleiro de xadrez esperava as vítimas da sua destreza, pedras brancas escolhidas e dois erros a partida perdida, um riso e outro de desalento, seguia meu caminho.
No outro lado aparecia o prédio do Senhor Geraldo Senna, um contra ponto esmaltado e novo. Olhar o passado neste quadro de saudade, hoje, é mostrar que o tempo em mim também deixou saudades.
A Nereu Ramos recém-calçada, onde a memória se mistura, como manhã de chuva e tarde ensolarada, verifico o bolso em busca de trocados. Um pastel no boteco do Zé Babão, “tomara que não tenha babado no pastel”, hoje Relojoaria Eduardo, atravesso a avenida e entro na Agropecuária do Censo. Concordo o tema com o Sérgio de Oliveira, folhas de papel ao maço e a filosofia corria inocentemente entre as linhas. Depois a leitura, papel comprado por ele na Papelaria Figueiredo, passo pela Lanchonete do Almeci, sempre desejoso daqueles sorvetes especiais de época, Banana Split, sundaes e outros, caros para meu bolso. Chego enfim no meu destino a loja do Neném, pago a conta e como sempre agradável no trato, querido no processo, levava na volta a propaganda de boca; um tecido novo, coisa do tipo.
O centro era a Nereu Ramos, mas, o comércio não. O Cine Marabá ao lado do Candemil, com sua grade em um azul parecendo verde, ou do contrário, não lembro, depois foi para onde foi, novo prédio, filmes ainda antigos, obedecendo as fase do tempo, caratê, e a marcação cerrada do Quidinho, o lanternista, a alfaiataria do senhor João Guimarães, que alguns passos mais, coisa de um dois minutos, concorria com a do senhor Tolentino.
A Casa Mariana, palco de teatro, e outras coisas, neste caminhar de saudade, que faz de nós elementos mágicos, pois, se aqui estamos, basta lembrar e a loja da Tonom vem à mente, sem que se precise caminhar tanto, sapatos de linha e de marcas. O Bar e Sinuca do Coca, ponto da Critur, a sapataria do Oto, a fabrica do Café Solima, tudo no centro, tudo perto e à mão.
Caminho da praia, a Radio Difusora de Imbituba, o Hotel Grande imponente e repeitado. Descendo o trilho, ao lado do prédio da CSN, um beco. Ali o Restaurante, Bar, sob a gerência do Gago, um nome sugestivo CBD (Come Bebe e Dorme) servia, dizem, a melhor caipiríssima, palco de tantas alegrias, torcidas e amizades de vida inteira. Assim se dava neste caminhar adolescente, o quadro perfeito para este poeta. Seguir à praia, o Jangadeiro sendo erguido, conjunto de tudo, caro, sempre lotado, boate anexo, dancinhas, com as meninas do bairro.
Por falar em dancinhas, era normal tentar entrar no Atlético, rigor da casta, branquelos, segregação, até que Jornatam, Delegado da Capitania dos Portos, deu fim ao processo. Mesmo assim entrar era complicado, embora tentado, bom mesmo era o Náutico da Aguada (pescoção). Ali, sim, se era feliz. Dançava, e dançava, mas, havia respeito, senão a razão do apelido se fazia sentir. Ah! O Náutico, beijar na boca até inchar a língua, coisa boa, a simplicidade, The Blak Boys, cantando ‘Flying’, era demais! Os Claitons, da nata, famosos, bons, quando se conseguia entrar no Atlético, que maravilha! Ficava eu descrevendo os casais que bem dançavam, eram versos ingênuos de um poeta mocinho.
Este Lembrar me leva, às vezes, a parar e ficar ouvindo a Banda do Maestro Jú, e seguia as marchinhas até o campo para ver Atlético x Cerâmica, pauleira da braba. Não vi meu pai jogando, nem o tio Arley, que dizem ter sido um ótimo atacante. Lembro só das palavras e dos causos que me contavam, recheados de “ESTÓRIAS”, dos radialistas como Ovídio e Mané Martins, que brigavam sempre pela audiência.
Das moças e senhoras que recebiam o trato da cabeleireira Emília, com aqueles secadores de outro mundo, muitas do salão saiam transformadas. Lindas senhoras com seus cabelos de época.
Do escrever recordando, lembro o som das teclas das máquinas de escrever da Escola de Datilografia da Senhora Geralda Cirelly. Lembro-me até hoje do texto final que deveria ser datilografado sem erro, para receber o diploma.
Meu caminhar vai chegando ao fim, como numa tarde de domingo após a missa ou nas suas tantas comemorações dos Santos, suas procissões, os Centuriões com seus escudos fremindo e fazendo um som de trovão: era de arrepiar a mente de um menino distraído que nem eu.
Voltar para casa com as tarefas feitas, com a memória alimentada, satisfeito com cada passo e vendo que cresci e crescendo tudo se modificou: asfalto, calçadão, lojas novas, apagando de vez àquelas antigas. Mas nada muda na verdade. O amanhã será igual ao meu passado para os que ficam; o tempo, sim, muda, e é célere. Abro o portão e quando faço isso todo aquele lembrar, as imagens se transformam, vou ficando em silêncio, olho para frente, estaciono meu carro, salto e meu olhar já é, quem sabe, uma nova aventura a ser contada.
Feliz fim de ano e um próspero ano novo.
Dario.
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SOBRE O COLUNISTA: Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 21 títulos já escritos, nove foram publicados, o mais recente “Redescobrindo a Vida”.
Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.
Os livros escritos por Dario não têm foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas.
Para adquirir as obras de Dario basta realizar contato com o escritor pelo Messenger do Facebook (in box) ou pelo telefone (48) 999378198.