A cidade para todos
Por Carolina Stolf Silveira, Doutora, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Udesc Laguna e integrante do movimento Jardineiros Laguna
O ser humano possui diferentes características, habilidades e formas de viver, estudar, trabalhar, deslocar e comunicar-se no meio urbano. Você já deve ter percebido pela cidade a presença de rampas de acesso, pisos táteis, ônibus de piso baixo ou espaços reservados para idosos, pessoas em cadeira de rodas, com cães guia, grávidas, pessoas com crianças de colo ou carrinhos de bebê.
Quem têm o direito de atravessar uma rua? Quando não provemos uma simples rampa de acesso em ambos lados da via, estamos dizendo que pessoas que estão sobre rodas não o têm. Barreiras físicas e sociais impõem um exílio forçado, principalmente às pessoas com deficiência. Ter uma deficiência não significa ser incapaz de realizar uma atividade. Incapacidade depende da interação entre o ambiente que está a nossa volta, as atividades que precisamos desenvolver e a estrutura de nosso corpo.
Na verdade, são os espaços que restringem e impedem o acesso e uso por todos. A pessoa não precisa ter uma deficiência para sofrer uma restrição do ambiente: empurrar um carrinho de bebê, de compras ou andar de bicicleta em uma calçada trepidante, com buracos e obstáculos; passar por uma catraca de ônibus com as mãos carregadas; ou mesmo, subir seus altos degraus com uma criança de colo podem ser tarefas difíceis de serem executadas.
Acessibilidade diz respeito a todos nós. Todas as pessoas em algum momento de suas vidas podem enfrentar restrições do corpo físico, como uma perna quebrada e uso de muletas, uma mulher grávida ao subir uma escada, ou mesmo quando envelhecemos e nossos movimentos ficam mais lentos, enxergamos e ouvimos com mais dificuldade.
Nossas cidades apresentam verdadeiras armadilhas: calçadas com buracos, desníveis constantes e obstáculos que dificultam a locomoção e podem mesmo impedir que algumas pessoas consigam se deslocar com segurança. Muitas pessoas são privadas de realizar simples atividades do dia a dia, especialmente pessoas com deficiência sensorial, como pessoas com cegueira ou surdez; físico motora, como usuários de cadeira de rodas; ou com mobilidade reduzida, como os idosos.
Cidades históricas brasileiras geralmente apresentam ainda mais barreiras à acessibilidade espacial, mas sua preservação não é impeditivo para adequar seus espaços de acesso público – como podemos perceber em diversas cidades medievais europeias. A premissa para garantir a preservação desse patrimônio está diretamente relacionada às possibilidades de acesso e uso desses espaços por todos. Se garantirmos acesso a todas as pessoas, independente de suas condições físicas ou sensoriais, traremos vida e apropriação a esses espaços.
Uma cidade mais justa é aquela que promove a equiparação de oportunidades. Profissionais envolvidos com o ato de projetar e construir espaços devem considerar essa diversidade humana, atendendo a nossa constituição e a diversas leis e normas, como a LBI – Lei Brasileira de Inclusão e Normas Técnicas de Acessibilidade. Aí está o belíssimo papel desses profissionais: promover a inclusão! Entretanto, por vezes, falta instrução, consciência, recursos e/ou vontade técnica ou política para proporcionar espaços públicos inclusivos através do desenho universal e elementos de acessibilidade.
A busca por cidades inclusivas é um desafio almejado. Tenha certeza que quando isso ocorrer, todos serão beneficiados. Veja o exemplo do ônibus de piso baixo: o embarque e desembarque é mais rápido que os de piso alto; permite agilidade de pessoas sobre rodas; exige menor esforço físico de todos; e, principalmente, coloca as pessoas em equiparidade de condições.
O ambiente não determina, mas influencia no comportamento humano. Precisamos de uma abordagem mais holística do meio urbano que nos cerca, para acomodar o máximo possível de pessoas e suas diferentes habilidades.
Construir uma cidade que permita todos seus cidadãos irem e virem com independência e segurança, utilizarem e desfrutarem dos espaços públicos é uma forma de melhorar o mundo em que vivemos.
Em uma entrevista com o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa no livro “Cidade Feliz” do urbanista Charles Montgomery, ele expõe que precisamos projetar cidades para oferecer dignidade às pessoas, fazê-las se sentirem mais felizes. E quais são nossas necessidades para a felicidade? Nós precisamos caminhar, assim como os pássaros precisam voar. Nós precisamos de outras pessoas, nós precisamos estar em contato com a natureza. Mas acima de tudo, nós não precisamos nos sentir excluídos. Nós precisamos sentir algum tipo de igualdade.