*Por Júlia Cavalcante, com colaboração da também naturóloga Neila Lopes
A Naturologia (Naturopatia, como é conhecida fora do Brasil), está cada vez mais em evidência no nosso país. Além de estar presente em diversos serviços de saúde pública, como atuação através das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no SUS, a profissão busca agora um passo decisivo: a regulamentação.
O Projeto de Lei nº 5620/2023, de autoria do deputado Reimont (PT/RJ), que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Naturólogo e institui o Dia Nacional do Naturólogo, tramita na Câmara dos Deputados em Brasília. A proposição, que já recebeu moções de apoio da Assembleia Legislativa do estado de Santa Catarina, das Câmaras Municipais de Imbituba e Tubarão, aguarda ser pautada na Comissão de Saúde em Brasília.
O que é a Naturologia

A Naturologia é uma profissão que se dedica ao cuidado integral da saúde, promovendo bem-estar e qualidade de vida por meio de recursos terapêuticos naturais e práticas integrativas. O campo integra diferentes abordagens, como fitoterapia e plantas medicinais, aromaterapia, meditação, práticas da Medicina Chinesa como ventosa e auriculoterapia, práticas corporais como yoga e tai chi chuan, terapias manuais como massagem e reflexoterapia, entre outras reconhecidas internacionalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a Associação Brasileira de Naturologia (ABRANA), a profissão nasceu no Brasil nos anos 1990 e vem se consolidando como uma prática multiprofissional, que dialoga tanto com as tradições terapêuticas quanto com as evidências científicas contemporâneas.
Por que “interagente” e não “paciente”

Na Naturologia, não se usa o termo “paciente”. Em vez disso, fala-se em “interagente”. A escolha não é apenas semântica, mas filosófica e ética.
O conceito de interagência reflete uma relação terapêutica ativa e colaborativa, em que a pessoa não é vista como alguém passivo que “recebe tratamento”, mas como protagonista do processo de cuidado.

e da Trabalhadora (Arquivo Ministério da Saúde)
Como defendem as entidades representativas, a Naturologia não apenas trata, mas transforma. E essa transformação se dá com o interagente, valorizando sua autonomia e seu protagonismo.
O Projeto de Lei em Brasília

Apresentado em 21 de novembro de 2023, o PL 5620/2023 já foi aprovado pela Comissão de Cultura e recebeu, em dezembro de 2024, parecer favorável com substitutivo do relator Padre João (PT/MG).
Em 2 de julho de 2024, a Comissão de Cultura promoveu uma audiência pública para debater a criação do Dia Nacional do Profissional Naturólogo, atendendo a um requerimento da deputada Erika Kokay (PT‑DF), relatora da matéria. A parlamentar destacou que a profissão valoriza práticas naturais voltadas à saúde e bem‑estar e que a instituição desse dia busca reconhecer e oficializar formalmente essa categoria, além de informar a população sobre sua existência e importância no cuidado em saúde.

Apesar dos apoios e avanços significativos, o projeto enfrentou entraves relevantes ao longo de 2025. Desde o início dos trabalhos na Comissão de Saúde, o PL vem sendo retirado de pauta constantemente, com destaque para os pedidos recorrentes dos deputados e médicos Dr. Frederico (PRD/MG) e Dr. Zacharias Calil (União/GO), impedindo, portanto, o debate e votação do parecer elaborado pelo relator, deputado Padre João (PT/MG).
Essas retiradas de pauta têm a ver com a articulação da Frente Parlamentar da Medicina no Congresso Nacional, que representa o posicionamento contrário à regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicado através de uma manifestação de seis páginas. Em resposta, e a pedido do próprio CFM nas negociações, as entidades representativas da Naturologia também divulgaram um manifesto técnico-científico, este de quarenta e duas páginas, com argumentos robustos em defesa da regulamentação da profissão.
Atualmente, a proposta legislativa, que tem o apoio do governo federal na forma do substitutivo, segue aguardando nova inclusão na agenda da Comissão de Saúde para ser votado. Próxima etapa é avançar para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e, posteriormente, ser encaminhado ao Senado Federal. A expectativa para 2026 é que as entidades representativas da Naturologia dialogue com o CFM e o Parlamento, para construirem consensos na redação do texto legislativo, através do debate público qualificado baseado tanto nos princípios democráticos, quanto em fatos e evidências, considerando, além de tudo, os parâmetros normativos vigentes.

Mobilização em Santa Catarina
Enquanto em Brasília o projeto aguarda novas movimentações, em Santa Catarina a mobilização em defesa da regulamentação do profissional Naturólogo vem ganhando força. As Câmaras Municipais de Imbituba e Tubarão já aprovaram moções de apoio ao Projeto de Lei nº 5.620/2023, encaminhadas à Câmara dos Deputados. Esse movimento, iniciado no Sul catarinense, tem inspirado outras regiões do Brasil com a aprovação de moções semelhantes.
A mobilização também chegou ao legislativo estadual: a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) aprovou a Moção nº 34/2025, apresentada pelo deputado Marcos José de Abreu (Marquito – PSOL), reforçando o apoio institucional ao PL.
Recentemente, a deputada Federal de SC, Ana Paula Lima – presidente da Frente Parlamentar de Saúde Integrativa do Congresso Nacional -, protocolou uma moção de apoio (Requerimento nº 308/2025) a favor do PL 5620/2023, destacando que:
“Com a regulamentação da profissão, os Naturólogos terão um suporte jurídico sólido para sua atuação, o que traz segurança jurídica e maior facilidade para a contratação. Além disso, essa é uma medida essencial para a proteção do público. Os pacientes terão a garantia de que o profissional é uma pessoa qualificada e tecnicamente apta para a execução dos procedimentos correspondentes”.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Naturologia (SBNAT), Santa Catarina é berço do ensino acadêmico em Naturologia, com maior presença de Naturólogos concursados na rede pública de saúde.
Presença em conferências e participação social

e da Educação na Saúde / Arquivos ABRANA
A Naturologia também se destaca pela atuação em espaços de participação social em saúde, especialmente nas Conferências Nacionais. Naturólogos voluntários têm marcado presença oferecendo atendimentos integrativos nos chamados “espaços de cuidado em PICS”, destinados ao acolhimento dos participantes.
Segundo Flavia Placeres Parravicini, naturóloga e diretora da SBNAT, a categoria esteve presente em importantes eventos de saúde pública, como as 15ª (2015), 16ª (2019) e 17ª (2023) Conferências Nacionais de Saúde, além das conferências nacionais temáticas como a 2ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher (2017), 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde (2017), 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (2022), 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental (2023), 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (2024) e, mais recentemente, a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (2025).
Além dos atendimentos voluntários, Naturólogos também atuaram como delegados eleitos em várias dessas conferências, contribuindo na construção de propostas e moções, muitas delas reforçando a importância da regulamentação da profissão e sua inserção no SUS. Para Flávia, esse movimento evidencia que a pauta não parte apenas da categoria, mas ecoa como uma demanda social, legitimada em espaços democráticos de participação que ajudam a definir os rumos da saúde pública no Brasil.

na 5ª Conferência Nacional de Saúde
do Trabalhador e da Trabalhadora (agosto/2025)
O que dizem os profissionais
Para Neila Lopes Morais, Naturóloga, ex-presidente e atual Conselheira da Associação Brasileira de Naturologia, a expectativa é que o projeto avance a partir de um diálogo amplo e técnico com a sociedade, compreendendo que a regulamentação é um instrumento de ordenamento responsável do estado brasileiro:
“Regulamentar a Naturologia não é atender apenas os interesses de uma categoria, e sim organizar um cuidado que já existe no território, é demandado pela sociedade e já é regulado pelo estado brasileiro através dos Ministérios da Educação, Trabalho é Saúde”, destaca.
Segundo Neila, a regulamentação traz impactos concretos para a população. “Regulamentar é proteger a população, qualificar o cuidado e dar transparência ao sistema. Também fortalece o SUS ao ampliar, com responsabilidade e ética, o acesso às PICS dentro do caráter multiprofissional, com compromisso com evidências, segurança, efetividade”, completa.
O Naturólogo Daniel Maurício Rodrigues de Oliveira, doutor do programa de saúde coletiva da Faculdade de Medicina da USP, afirma que a regulamentação também assegura direitos constitucionais de equidade no trabalho:
“Hoje existe uma atuação real nos territórios, mas ainda com lacunas de reconhecimento e segurança jurídica. A regulamentação, ao organizar esse campo, irá reduzir as desigualdades no trabalho em saúde, promovendo oportunidades justas e equitativas”, conta Daniel.
Evidências científicas e segurança
O Naturólogo Caio Portella, doutor em Ciências pela USP, presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e presidente da Federação Mundial de Naturopatia (WNF), reforça que a Naturologia é um campo que cresce em diálogo constante com a ciência.
“A Naturologia reúne práticas integrativas com diferentes níveis de evidência: desde modalidades com comprovação robusta, como acupuntura, fitoterapia e algumas formas de meditação, apoiadas por ensaios clínicos e revisões sistemáticas, até recursos em consolidação, documentados por estudos qualitativos e mapas de evidências”, explicou.
Ele também destaca que a regulamentação da profissão é uma medida de proteção à população, alinhada às estratégias da OMS, que vem reforçando que a regulação de profissionais e praticantes das PICS é um eixo central de segurança para proteger a população:
“Definir critérios de formação, conduta ética e protocolos de segurança é estratégico para a saúde pública. Isso previne práticas leigas e riscos de charlatanismo, qualifica o exercício profissional e garante que as intervenções sejam realizadas por profissionais preparados, baseados em evidências e princípios de cuidado integral”, afirmou.
Esse corpo de evidências tem se ampliado com pesquisas internacionais. Um exemplo é uma revisão sistemática de 2019 que analisou estudos envolvendo mais de 9.800 participantes. O trabalho concluiu que a medicina naturopática multimodal – quando diferentes práticas são combinadas em um mesmo cuidado – é eficaz no tratamento de doenças cardiovasculares, além de trazer resultados positivos para dores musculoesqueléticas, diabetes tipo 2 e depressão.
A produção de conhecimento é sustentada por uma infraestrutura científica global. Hoje existem 23 centros de pesquisa em naturopatia no mundo, principalmente em universidades e instituições dos Estados Unidos, Canadá e Índia. Além disso, a área conta com mais de 20 periódicos científicos indexados que dão visibilidade internacional às descobertas.
Profissão já é regulamentada em pelo menos 30 países e reúne mais de 110 mil profissionais em todo o mundo
A Naturologia já é uma realidade em diferentes partes do mundo. Segundo a WNF, são mais de 110 mil profissionais atuando em 108 países, espalhados por todas as regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em pelo menos mais de 30 países, a profissão é regulamentada por lei, o que garante critérios claros de formação e atuação. Outros 21 países contam com um processo formal de certificação voluntária, e quatro, incluindo o Brasil, possuem um sistema de corregulação. Na América do Norte, Estados Unidos e Canadá têm doutores em naturopatia reconhecidos como profissionais de atenção primária em jurisdições regulamentadas. Na América Latina, o Chile e Porto Rico já regulamentaram a prática. A Europa reúne legislações em países como Alemanha, Portugal e Suíça. Na Índia, a naturopatia integra o sistema de saúde.
Esse cenário mostra que a regulamentação não é um passo isolado, mas uma tendência global, incentivada pela própria OMS.
O Brasil avançando nesse debate estará se alinhando a um movimento internacional que já reconhece a profissão como estratégia de cuidado em saúde das populações, com fortes evidências de custo-efitividade e segurança para doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão e dor crônica. Dados estes evidenciados pelo documento Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) da Naturopatia, reconhecido pela OMS.
Sobre a colunista

Júlia Cavalcante de Freitas é imbitubense, naturóloga e gestora em saúde. Atualmente, ocupa o cargo de Diretora de Relações Públicas e Comunicação da Sociedade Brasileira de Naturologia (SBNAT).
Desde 2019, atua com Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), dedicando-se à construção de uma cultura de cuidado mais humana, sensível e acolhedora. Diplomada pela Academia Imbitubense de Letras e Artes (AILA), pelo trabalho como escritora e por unir literatura e comunicação ao fortalecimento de projetos e causas sociais.










