Moramos em Imbituba e nem tudo sabemos sobre ela, muitas coisas ficam encobertas bem ao lado do caminho, da trilha. Nossos olhos buscam o caminho numa linha de visão que sugere proteção, distância ou a imagem magnífica do mar lá embaixo.
O costão do morro do farol possibilita o vislumbre, em tempos de água clara, pode-se ver claramente onde a linha da rocha acaba e a areia começa. Para quem gosta da pesca é aprendizado, pois gravamos os lugares sem enrosco, um saco (entrada de água em forma de baia minúscula), assim em qualquer tempo podemos ali pescar, ficou gravado.No passado, o morro do farol era limpo, podia-se caminhar pela mata sem risco, a trilha era constantemente limpa e recuperada, onde hoje tem a pedreira, tinha uma figueira enorme, brincávamos muito nela quando guri; também muitos encontros com os guardas, que eram ferozes defensores daquele morro. Não era raro chegar ao rancho com vergão de vara, ou sabendo que viria bronca do meu pai, pelas queixas constantes destes guardas. Tempo bom! “Urupuca” montada, cachos de butiá furtados na inocência da juventude, a fonte do meio com vista para o mar, maracujá roxo, araçá goiaba, estes em grandes árvores confundindo-se facilmente com goiabeiras, o “congatá” que buscamos para construir arco e, por fim, as tantas variedades de orquídeas, as trepadeiras e as de solo, que, na florada, “tapetavam”, colorindo a trilha com suas flores amarelas e violetas. Ah! Lembrei. Tem uma, acho eu que é a bromélia, que dá no solo e tem uma galhada com bolotas marrom. Catávamos elas para depois pintar e construir pequenas árvores de natal. Bom, sei que escrevi tanto sem falar da pedra da cruz. Para quem faz a trilha partindo do farol em direção à praia, caminha até o ‘túnel de mato’ olhando para o alto do morro, se verá a grande pedra da beirada, pronta pra cair, basta um sopro (risos). Passado o túnel, tem uma subidinha, uma curva média, no seu início; tem-se que passar entre duas pedras e logo ali pertinho, de vista para o mar, eis a pedra da cruz, cercada de mato baixo, invisível aos trilheiros.Uma cruz com extremidades arredondadas, cunhada na pedra com ponteiros, na base a inscrição; “M D S” e a data “19-12-05”. Pois bem, não foi feita em 2005, nos anos setenta eu a encontrei, já estava coberta de musgos, muitas vezes fiquei ali sentado tendo a mesma visão que a cruz. O mar aberto questionava sua criação, provavelmente representa uma perda, se no mar ou no morro, não sei, não sei da agonia deste por que, nem se a entrega da vida foi pela trilha, se deixou família, se há alguém vivo. Não sei.Imaginar neste ato perpétuo de marcação e saudade é assunto para outras colunas, aguçar a mente na visão além da visão, numa viagem temporal, consiga ver o caminho sendo construído. As paradas para almoço, o cigarro de palha, o gole d’água, ou simplesmente uma parada para observar o mar. Se as ondas se encapelaram contra uma embarcação, fazendo vítimas, também não sei. Busco ainda hoje descobrir sua razão. Quem sabe se buscarmos imagens de cruzes com as extremidades arredondadas poder-se-ia, quem sabe, repito, chegar a uma data aproximada. Falo de 1905, mas pode ser 1805, buscar informações, fazer pesquisa, chegar um dia e dizer: consegui e compartilho contigo tua tragédia, com sua família a agonia e saudade.Todos os dias, passos passam por trás da pedra, buscando pesqueiros bons, imagens lindas. No entanto, ali jaz “M D S”, no silêncio do morro e na reverência do mar.