Portinho da Vila e sua Magia
Dia calmo, sem aquele nordestão saio buscando cenário para um novo texto. Lembrei-me da sugestão do editor sobre o Portinho da Vila e lá fui munido com as lembranças do passado; ver e sentir o que esta localidade me daria.
Observar o contexto e sentir suas energias, ouvir o que o tempo dita e imaginar-se numa época distinta à de hoje é a forma que uso para descrever este cenário magnífico. A história guarda seus personagens, eu apenas sinto o que sinto e descrevo, assim…
Cada pedra que compõe o cais em forma de “T”, o esforço daqueles que, tanto por água como por terra, deixaram naquelas pedras, as mudas dos eucaliptos, matrizes diretas das de Austrália, fazendo a proteção gradativa ao vento e a sombra tão bem vinda. Anos crescendo e vergando-se à esquerda (sul) conforme o vento nordeste soprava.
Um porto para suprir as necessidades daqueles que transformaram Imbituba de vila à cidade. Um hidroavião fazendo ponte no Portinho da Vila, coisa chique, hoje já tão esquecida nas rodas de conversas à beira da Lagoa do Mirim.
O barracão com guincho; recuo de barco e avião, guardião da história, cenário em cascalho embranquecendo qual tapete o recanto dos piqueniques, namoros, pescarias fartas em noite de luar.
Ah! Sentir o ar ainda fresco da manhã, num dia sem movimento a nostalgia se liberta, troca-me as vestes, vejo-me bobo num terno de risco reto, chapéu de aba bem talhado, o olhar além do porto seguindo o som do motor do hidroavião se aproximando, a curva longa da aproximação, os riscos espumados dos flutuadores tocando a água em espelho, o barco de apoio com seus condutores, o silêncio, enfim, chega ao desligar-se, e o pássaro repousa nas amarrações do cais.
Ícone do passado na imagem de Henrique Lage, ainda olha o avião aceitando pequenas ondas num abraço junto ao cais. Ainda olha as sombras já se espalhando pela área do Portinho, mais e mais as árvores crescem. “Ano que vem será diferente”, deve ter pensado aquele que tudo projetou; quem sabe um charuto bem aceso, ou simplesmente o alisar do bigode, ato da satisfação de um sonho concluído.
Algumas pessoas observavam de longe, mas perto o suficiente para ver e ouvir as falas, os cumprimentos, o dedo tocando o chapéu, o sorriso satisfeito de uma viagem sem contratempo, sonhos que flutuariam nas noites daqueles espectadores de outros sonhos.
As poucas casas cercando o portinho como colar ou abraço, as poucas ruas estreitas viraram outras ruas, outras casas, outros ícones nasceram, citando dois; o senhor Oscar que fazendo transporte de pessoas e carga entre Imbituba, Mirim, Imaruí com sua canoa vibrando ao peso carregado e Custódio Felipe o capataz do portinho, que ao ouvir o ronco do motor do hidroavião corria preparar o cavalo para Henrique Lage seguir até sua residência.
Canoas com suas cores vivas enfeitam juncos ao vento, sarilhos são erguidos, mais tarde ranchos e histórias de borriquetes aos montes, da fartura dos camarões, corvinas, tainhotas e siris, além é claro dos bagres, saciando fomes e iniciando um comércio salutar.
Creio que nas manhãs quando o fogão a lenha fazendo seu trabalho de espalhar cheiros e sabores, ativando a fome e o bom apetite, o pirão d’água com tainhota frita, o camarão no bafo, os bolinhos de peixe se misturam com as mais variadas formas de fazer moquecas, o café colhido e moído ali mesmo, o beijo e a despedida nas noites de pescaria, o medo nas mesmas noites quando as trovoadas vinham e a alegria nas voltas, velas sendo aguadas, canoas fazendo bigode de espuma, risco e rota de casa era o olhar dos homens, a volta segura razão das preces das mulheres.
O que falar dos casamentos feitos na comunidade, mesas longas, quem sabe uma cobertura em lona, rabichos com lâmpadas piscando aqui e acolá, cervejas do casco verde sendo ofertados aos mais velhos, guris correndo com suas calças curtas e suspensórios, moças invejosas com os olhos brilhando aos passos das tantas noivas.
Quando não os mesmos guris se despindo e correndo para o salto provocado por outros guris, mergulhos estralados, gritos e risadas, tudo ao seu tempo nesta mistura lúdica do próprio tempo.
O sentir nas folhas caídas o fúnebre adeus daqueles que cumpriram seu tempo, sua labuta, seu crescimento. Folhas caídas ao vento, temperando um pouco da água salobra da Lagoa de todos.
Cada ato neste cenário e um ser transportado para o passado e presente, mudaram as vestimentas, as casas são tantas, as ruas receberam calçamento, sarilhos se transformaram em ranchos suspensos, não há mais hidroavião, nem o barco de apoio, nem os homens preocupados com suas calças, no esmero do andar de bicicleta, a perneira em metal segura a perna da calça, a elegância do ontem, sede lugar para a bermuda e camiseta, os casamentos sentidos por mim, talvez fossem sonho apenas, mas os guris ainda correm e se lançam do cais em forma de “T”, o cascalho sumiu, assim como muitos moradores que se juntaram aos segredos do Portinho da vila, como desapareceram os índios, assim como se escondem nas matas as oficinas destes mesmos índios; as canoas fizeram a mesma saga.
Tempo. Nada vence o tempo. Apenas a saudade e a lembrança, qual digo ser risco ou traço da saudade, permite o sentir, permite o ver, ouvir ainda sonoro o ronco do hidroavião fazendo uma grande curva para depois molhar seus pés nas águas da Lagoa.
O sentir dos cheiros são outros mais elaborados, restaurantes e pizzaria se agrega perfeitamente ao mesmo cenário, o olhar que antes brilhava nas moças invejosas do casar alheio, hoje brilha nas conquistas feitas na vida que nada muda apenas se transforma. Tudo permanece igual, para quem pode ver e sentir.
Eucaliptos envelhecidos deixam-se abraçar por bromélias, as garças empoleiram-se nos galhos nas noites, ficam lá observando casais e os solitários em passeio, a música ecoa no mesmo espaço de outros sons, outras vozes, neste passo sigo na volta, mas antes ainda viro meu olhar para o espelho teimoso no seu refletir imagens, a minha também ficou por lá.