Sempre que vou e lembro-me de um lugar, procuro a visão do hoje e do pretérito. Sentar à sombra de uma árvore, olhar o todo e sentir sua energia. Procuro dividir minha visita em alguns pontos: passado com sua energia, o cenário não transformado e o presente com suas características, assim consigo ter um cenário completo, se verdadeiro ou não, é ocasião ou ponto de vista, ficando para cada um a sua crítica.
Busco uma história paralela que complete minha visita, dando um quê de texto e conto ao invés da pesquisa histórica, que não é minha praia.
Olhar o lago num amanhecer calmo é a revelação que buscava para este conto. Árvores sombreando a praça, substituo os bancos em concreto por aqueles de madeira, faço desaparecer a fonte, chafariz ou o que representa ser, por um campo em pasto e flores nativas.
– É necessário isto? Pergunto ao pensamento que brota. Como resposta, um sorriso em desafio.
Como todos os lugares, vilas, cidades já maduras na idade, possuem uma igreja rodeada por casas buscando amparo divino. Olho estas mais antigas, busco sentir o cheiro forte do óleo de baleia, do cascalho dos sambaquis, do reboco grosso, areão do riacho, tão perto.
Casas baixas, telhados em duas águas, curto na frente e inclinado num ângulo agudo, telhas de calhas sobrepostas e feitas nas coxas das mulheres da época. A água dos fundos destoa em ângulo que preguiçoso espraia na altura mínima do conforto, meu olhar tenta dar o aval nas faixas em azulejos, quem sabe ponta de estoque daqueles de Laguna no tempo de Anita.
Tocar a parede da igreja, sentir a energia de cada braço alinhando pedras, amassando barro, fazendo tijolos, dando lados planos numa tora trazida na força dos bois “Barroso e Malhado”, tudo movido pela fé. Como contas de um rosário a igreja foi erguida, bendita, bem-aventurada, boa acolhedora de almas simples! Tento ver nesta visão de pretérito tudo feito e acabado, esmero desta vontade e fé, a primeira missa, luzes em lampiões exalando o lamento do cetáceo no óleo combustível, tremulam as sombras na dança das velas, ouvir o fervor da doutrina numa voz antiga trazendo a vida de Cristo na homilia, púlpito desta penumbra de tempo.
Estou sentado num dos bancos, olhando o movimento das sombras, padre e coroinhas, o ofertório, ritual sombreado destas luzes em lampiões. Meu sorriso é largo, pois consegui ver nesta imagem de figura um pouco do tempo que não é lembrado, não mais.
Tanto para se observar nesta visão de conto e texto, tanto que é mostrado no silêncio da praça, onde estão as pessoas? Minha visão vira e busca o Lago, ergo meu corpo tomando cuidado de não borrar aquilo que vejo: velas aprisionando vento, velas no contento do pouco de água para firmar suas fibras, velas em canoas estreitas voltando ao porto, ao sarilho, ao lar. Pescadores com seus balaios, cipó e lasca de bambu, tainhota, bagre e carás, burriquete e corvina, camarões graúdos aos montões. Um sinal invisível é lançado ao ar, pois, das casas mulheres e rebentos, mães e esposas ainda se fazem o sinal da cruz pela volta dos seus.
Nos campos, aos arredores de tudo, a mandioca esverdeia a areia azeda, delírio de vento, alento nas mesas de misturas, os cafezais de fundo de quintal, pontilham de vermelho maduro o negro sabor do café nestas manhãs geladas.
Ouvir, quem sabe e bom seria, as conversas nestas vindas de pescarias. Será que a saudade ajudava o vento a soprar mais forte? Será que há alegria na carga feita, saciando a fome nos dias de amargo desalento, neste mesmo pretérito tempo?
Cabelos presos ou soltos, geralmente longos e enlaçados, vestes em camadas de saias em tecido grosso, o fino vestir guardado para as festas e ocasiões de enlace, guris correndo, pelados lagoa adentro, risadas e gritos no beliscão do siri safado. Sentir esta visão de passado à sombra numa praça que guarda segredos, um beijo roubado, um pedido mais sério, um casar e ter na festa a comunidade inteira, a praça guarda segredos é certo. As festas do Divino, os bailes de salão, (risos) dilui gradativamente minha visão, como vai embora o som da sanfona espalhando notas sopradas pelo vento e vão fazendo pequenas ondas neste manto de lagoa.
Mirim de tanto silêncio se transforma e neste transformar ganha espaço no mundo, berço de uma das mais belas árvores do mundo, flamboaiã majestoso na florada. Casas em estilo moderno aparecem ocupando as antigas, pequenos prédios se alinham trazendo mais moradores, perpetua o comércio, mudam os produtos na procura deste adianto de tempo.
O agora parece tão sem graça, diante de tanto que vi deste passado Mirim, sei que é apenas uma visão abalada por outra visão. Quem faz bom ou ruim um lugar são seus moradores com suas energias, trabalho, empenho e cuidado.
Mirim dos encontros furtivos, dos encontros enamorados, dos passeios de mãos dadas, destino de praça, sobre as sombras destas árvores, o beijo roubado, maravilha da juventude e saudades dos antigos.
Escrever neste tom de texto ou conto agrada-me os sentidos e deixo feliz o caminho que me permitiu ver, de forma distinta, esta mesma história, partindo da vontade de uma família. Outras vieram, fazendo cercas e se avizinhado, varrendo as frentes das moradas, traçando ruas gordas para os caminhos de ontem, silenciar na tristeza da pouca pesca, ver pela janela os seus saírem para centros maiores, fica nesta fresta de tempo a imagem da mãe na janela, lenço nas mãos secando lágrima, enquanto se avoluma a poeira no destino do seu rebento.
Sigo o mesmo caminho, olhando pelo retrovisor interno este bairro se diminuindo recebendo neste silêncio que fica no aceno das minhas memórias.
Até mais, Mirim!
Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 20 títulos já escritos, oito foram publicados.
Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.
Os livros escritos por Dario não tem um foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas.
Para adquirir as obras de Dario basta realizar contato com o escritor pelo Messenger do Facebook (in box) ou pelo telefone (48) 999378198.