Maria e suas flores
Amanhece o dia na pequena Vila de São Tomás, uma cor entre o azul e o cinza estampa de um céu indeciso, o ar é quente, pássaros cantam buscando pares, buscando alimento. Uma revoada de cupins anuncia a chuva tão perto.
Despertar é tão custoso quando se está enfermo, a febre não baixa, a mesa ainda posta divide seus farelos com algumas formigas, a pia com a louça desfaz-se do brilho pedindo água.
– Ah! Levantar. Suplica Maria
O suor febril lhe envolve a testa, lágrimas caem dos olhos nublados pela catarata, o olhar em volta é de desânimo. Mesmo assim levanta e vai até o banheiro toma seu banho, veste-se com as vestes do desalento, dá seus passos arrastando os chinelos, olha a pia, dobra pacientemente as mangas da blusinha de algodão, esponja e sabão de coco, lava e dá brilho na louça, uma chaleira recebe água e fogo alto, no bule o coador com café espera seu destino. A mesa recebe toalha limpa a anterior foi para o tanque.
Os farelos recolhidos da mesa foram para o Chico, um canário que fez ninho num vão de telha do beirado da janela, Maria logo terá netinhos destes. A vassoura feita com as cerdas de outras floras, butiazeiro, chia no assoalho de madeira, no fogão a chaleira recalma do calor, o café é tão bom, seu aroma se espalha até o portão.
– Dia! Grita a vizinha indo à feira.
– Dia! Responde Maria, olhando pela janela com sua caneca com estampa do Flamengo, exalando aroma e vapor.
– To indo na feira, quer alguma coisa Maria?
– Agradecida, Cida.
A cadela “Preta” ainda dorme com a cabeça para dentro de casa, espera farelos de pão.
Sobre a cadeira um lenço estampado com flores em preto e branco, um xale bordado à mão pela tia de um cunhado já falecido, presente do último aniversário, esperam pelo desejo de sair.
Um balde amarelo com uma rachadura na borda, um remendo feito com fita adesiva, uma sombrinha num rosa desbotado, o sol pode sair, uma garrafinha com água do filtro de barro – pronto tudo preparado.
Range a porta e estrala a fechadura dura no seu segredo de casa. Torce a tramela no portão empenado pelo tempo, marcam os passos o caminho orvalhado, o olhar segue adiante medindo distância.
Um aceno; para o ônibus, um acento na janela, um olhar perdido nas imagens e nos trilhos da ferrovia, um conhecido em caminhada solo, outro parado batendo papo, enfim chega onde deseja, agradece e salta, caminha cem metros e o sítio lhe barra a entrada, Maria aperta um botão tão mudo do seu lado e tão gritante lá na casa do caseiro.
José abre a portinhola, sorri para Maria que lhe entrega o balde, minutos depois o recebe cheio de rosas brancas e vermelhas, para a paga da pobreza sem dor, sorri seu melhor sorriso e sai para pegar outro circular.
A cidade ferve de turistas, ferve de cidadãos ocupados na lida, ferve na promessa de boas vendas…
Uma, duas rosas vendidas logo de início, um, dois, sorrisos.
É a troca pela troca, pensa Maria com seus botões em flor, vendo uma delas, recebo o que preciso e ainda dou de troco um sorriso. Adoro isto, pensa.
A fome aperta, a força segura, um ar de tristeza aflora e aponta o desejo, mas ainda é cedo.
Uma rosquinha e um copo de café com leite morno, o balde sempre à sombra, da garrafinha borrifa água sobre tantas rosas que ainda faltam destinos.
Toda esta imagem de figura não vende. Não supre as necessidades. O jargão “compra uma flor senhora, senhor?” não tem mais efeito.
Estala na mente, ou o dedo de um anjo quem sabe, uma ideia…
No vidro da vitrine como espelho, Maria se mira na vergonha do orgulho em si, mede a necessidade de tanto que tem, arfa o ar na entrega do “seja o que Deus quiser”…
– Venham todos, venham! Venham a mim que detenho a flor nas mãos, venham ver que maravilha, o perfume exala como abraço bom, venham!
“Mudar o foco, mudar o conceito, do preconceito em si. Desdogmatizar as práticas viciosas do sentir-se pária. “
– Venham! Vejam!
O chamado chamava a atenção, tocando a curiosidade em cada um, as rosas iam-se nas mãos de tantos, sorrisos e lágrimas ao perfume de uma flor.
Às vezes passamos e ouvimos um pedido, uma oferta, um olhar de súplica; passamos, mas não temos coragem de parar, sentir, ouvir o que oferta, seguimos a roda da vida, não é conosco.
Um livro esconde entre suas capas uma história, verídica ou não, esconde um desejo latente de se dar aos olhos toda a magia das letras.
As rosas de Maria são abraços perfumados nos corações que calados precisam tanto de carinho.
Somos todos mendigos, somos todos necessitados, somos todos feitos do mesmo fardo. Fardo?
Claro que não!
Somos apenas homens entre caminhos e paradas, somos desejo e esperança, somos Josés e Marias com seus baldes com flores nas mãos, ofertando sonhos e perfumes, sorrisos e lágrimas nestes abraços em livros e flores. Deseja um?
FIM!
Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 20 títulos já escritos, oito foram publicados.
Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.
Os livros escritos por Dario não tem um foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas.
Para adquirir as obras de Dario basta realizar contato com o escritor pelo Messenger do Facebook (in box) ou pelo telefone (48) 999378198.