Alva luz sempre foi tumultuada no verão, destino de muitos, prazer de poucos, esperança para muitos menos, assim começa nossa história.
O sol batia forte no rosto de Maria que fez um esforço para pegar o chapéu da sua mãe sobre a mesa. Seus seis anos não lhe davam altura suficiente, as pontas dos seus dedinhos tocaram a aba do chapéu e, curvando-os para si, foi trazendo para perto da beirada da mesa. Um sorriso estampado foi seu troféu, seu olhar para a boneca e o retorno à brincadeira.Na cozinha João conversava com sua esposa, Marina. As coisas não iam bem e nem foram durante o ano. Agora, mais ainda preocupados, buscavam um no outro o conforto e forças para os dias negros que estavam por vir. Desempregado, João não mais tinha o que receber do seguro-desemprego. Marina, fazendo unhas, não supria as necessidades.A única mostra de tranquilidade estava no carinho que Maria doava a ambos, um olhar mágico, abraço doce, sorriso largo emanando amor e alegria. Marina vai olhar Maria, que brinca com as bonecas, volta e continua sua conversa com João.- Que faremos agora, João?- Daremos um jeito. Venderei o carro, não estamos usando mesmo.- O carro? Poxa, você custou tanto a comprar, e agora, vendê-lo?- Não vejo outra solução.- Lembrei, sua mãe ligou, precisa de você, ela não esta bem e sente sua falta.- Mais isso agora. Como irei lá? Não tenho nem para o café de amanhã.- Eu tenho algum que guardei para o Natal.Assim entre questionamentos e respostas vazias, tentavam colocar uma luz sobre a situação. As horas passaram e Maria reclamou com fome. Marina olhou pela janela buscando amparo na luz do fim de tarde, revirou o armário buscando alguma coisa com que fazer o jantar.“Do pouco de cada um será a fortuna de todos. Cada gota de carinho despejado sobre a mesa no alento da refeição ainda em família, a Graça Divina compartilha sua esperança.”João leu o texto antes de fechar seu computador, antes de ver que a luz deixava o aparelho, antes de sentir o nó apertado na garganta, antes de começar a chorar compulsivamente, antes de sentir a dor no estômago, antes de cair da cadeira, antes de ver os passos que corriam para si… Antes…Os gritos e o correr buscando ajuda, dez minutos parecendo horas, a sirene, o correr crepitante da maca com suas rodinhas batendo na beirada calçada, a porta que se abre; o lenço que seca sem secar as lágrimas desta mistura de eventos, desespero, desconforto, olhar sem ver e sem crer, volta à maca à ambulância, sobem os paramédicos, sobe Marina com Maria grudada em si.- Mamãe que houve com papai?- Não sabemos meu amor, mas não se preocupe tudo vai ficar bem, nunca uma frase foi tão insegura, Marina abraçou forte a filha.
O caminho foi entre carros que abriam passagem, freadas e lombadas, enfim a Santa Casa da Misericórdia, o hospital local. Entraram todos, correm os médicos, enfermeiros, gemidos de quatro para trocar de maca, lágrimas da mãe e esposa, incompreensão da filha, meia hora mais tarde estavam num quarto com outros cinco pacientes. Emergência, observação e quarto.Maria observava com seus olhos de inocente, o pai deitado, soro e agulhas, aquele caminho entrando pelo nariz e o esparadrapo colado no braço, tudo que ela tinha medo estava no seu pai. Seu olhar foi em direção ao da mãe e o abraço dado repelia em parte seus medos, ficou assim até que o sono lhe toma as forças e adormece abraçada à mãe.Lá fora o amanhecer foi de sol, e outros tantos dias o mesmo amanhecer e metade de Dezembro. Marina voltava ao hospital, Maria se dividia entre tios e primos, o estado ora melhorava, ora recaia na dor e desespero. Neste quadro desolador a força se esvaia aos poucos. Quanta dor.No quadro fora do hospital, Maria ouve as conversas dos seus tios e tias, preocupados com o pior não prestam atenção na criança que perto ouve tudo.- Titia meu papai vai embora?- Cruzes, quem falou isto?- A senhora e o titio Vitor.- Nós, estávamos… E as palavras não saíram um nó não permitiu. Durma minha querida amanhã será outro dia e seu papai estará melhor.O sono não veio, mas a cama estava tão quentinha, que Maria fechou seus olhinhos. Sua tia saiu do quarto às pressas.Maria abre seus olhos e fica neste silêncio de penumbra a pensar no papai, mamãe… Retira a coberta fina de sobre si e senta-se na cama. Olha a imagem que se forma perto da janela, olha sem medo, um sorriso se abre nos seus lábios. A imagem vem ao seu encontro, senta-se ao seu lado e segura sua mão pequenina…Um quê de mistério, um laço divino? Seja qual for o nome dado não importa. O dia amanheceu como os outros e o resto também vieram deste encontro de dias e noites, dezembro vai ficando para trás, dia 24 bate à porta, Maria ouve movimentação na casa dos tios, alguns risos, outras falas contentes, a cozinha é tomada por vida e vida em alimentos na mesa será colocada.
A cortina da janela do quarto de Maria deixa na fresta um raio de luz, uma fenda luminosa no assoalho, uma linha, uma estrada para quem pode nela caminhar, o olhar é tão impar e tão alegre que todos notaram. Desce a criança cantarolando e rindo, pula os dois últimos degraus da escada e faz um gesto de bailarina dobrando os joelhos, a mão espalmada para trás em forma de agradecimento.- Quem tem esta menina, acordou tão alegre?Somos adultos, nos conformamos muito rapidamente com as transformações do dia a dia, acostumamo-nos com o sofrer e achamos que tudo é obra de Deus. Quando a alegria é mostrada viva no rompante de uma criança não entendemos.- Que bom! Estão fazendo comidinha para meu papai?Atônitos, pararam seus afazeres e entreolharam-se, a criança não sabia, seu pai estava piorando, mas a vida deve continuar é Natal.Maria sai à rua e no gramado enfeitado por anões e luzes coloridas no pinheiro baixo, um banco em madeira bruta espera o descanso de algum afortunado parceiro de tempo. A criança olha tudo com olhar de esperança e como ainda não sabe do tempo nada, brinca com suas bonecas, duas sentadas no banco ao seu lado e uma que recebe esmero no seu penteado.Tio Vitor se aproxima de Maria e a abraça, beija sua testa, e numa busca de alegria supostamente devida à criança, pergunta;- O que você quer de presente de Natal? Já pediu ao Papai Noel?- Sim ontem mesmo fiz meu pedido titio, não se preocupe vou recebê-lo hoje.Não querendo estragar aquela alegria, ou não entendendo de onde vinha, Vitor saiu despedindo-se com outro beijo na testa.Foi seguido pelo olhar de Maria, mais um pouco e volta à lida com suas bonecas.- Lúcia a Maria diz que hoje receberá seu presente de Natal. Esta menina tem cada uma.- Deixa ela Vitor, quem sabe assim seja melhor, ilusão ameniza a dor.Olharam pela janela da cozinha e viram Maria sentada com suas bonecas, a criança conversava ao mesmo tempo em que brincava, balançaram a cabeça de um lado para o outro e voltaram para seus afazeres culinários.
A noite chegou com as luzes coloridas e os fogos fazendo suas figuras nos céus, havia cantos e alegria no mundo lá fora, dentro da casa mesmo com o esmero na feitura das comidas, uma tristeza nos olhos de todo menos nos de Maria.Badala o sino no relógio comprado na China, oito horas em ponto, Maria vai até a janela, olha busca movimento olha mais uma vez.Na mesa Lúcia derrama lágrimas contidas há tanto tempo, Vitor esconde sua tristeza no copo de cerveja, chamam Maria à mesa e obediente vai faceira, senta-se com dificuldade na cadeira grande para seu tamanho.Sorri para todos, prende o garfo na vagem cozida, alegre abocanha pedacinhos um por um devora a vagem, olha o guaraná no copo de vidro, com cuidado o toma nas mães serve-se de um gole.Olhar esta imagem refletida no espelho grande da cristaleira antiga é surreal, quanta alegria numa criança.- Querida me diz por que tamanha alegria? Suplica a tia.- Ontem Papai Noel esteve no meu quarto e conversamos, ele perguntou qual seria meu pedido de Natal, eu pedi meu Papai de volta.- Oh! Filhinha; sai da mesa a tia aos prantos.- Porque titia chora? Hoje lá no jardim ele veio de novo falar comigo e confirmou meu pedido.Foi a vez do tio sair da mesa e ir olhar pela janela, uma coisa dentro dele nasceu.- Lúcia venha cá, Lúcia.
Uma alegria iluminava seus olhos, sua cabeça volta-se para olhar Maria que se levanta e vai à porta, custa mais abre, deixa aberta.Um táxi para á frente da casa, um casal sai, o táxi some, o casal vem na direção da casa, passa pelo banco olham e agradecem, seguem até a soleira da porta, limpam os pés da poeira úmida, uma corrida de Maria e o grito de todos…João entra pela porta, abraçado por Marina, agora abraçam Maria depois todos e todos em prantos ouvem João falar.Um senhor de cabelos e barba branca, bem vestido, esteve comigo e leu uma cartinha, era o pedido de Maria e uma luz se fez sobre mim e tudo que sentia sumiu eu estaca curado.A esperança nos olhos de uma criança, o sentir no seu coração e o desejo de toda alegria e boa Aventurança neste tempo de renascimento fez sua magia, onde a paz e o amor devem ser semeados. Feliz Natal! Ho… Ho… Ho…