“Meu canto nunca foi só meu, vem de longe, papo de séculos.” Ouvi essa frase na música Sobe Junto, interpretada por Drika Borbosa, em feat com Emicida e Matuê. E é isso.
Meu canto nunca foi só meu. Ele é, sobretudo, dos meus ancestrais. Vem de muito longe e eu falo sobre séculos. Vários séculos. É algo muito maior, do conceito de ancestralidade. Entendi isso quando me coloquei a disposição da luta do movimento negro no Brasil. Eu falo aqui sobre culturas, costumes, lutas, sangue, suor preto, dor, coletividade, marcas, silenciamentos, histórias, apagamento e reparação.
Eu falo da história negra do Brasil, de Santa Catarina, de Imbituba.
Quando insistimos em mencionar que a história do povo negro não se inicia na escravidão é porque nossa história não se resume a isso. A história de um povo não se resume a um fragmento, seja ele tão terrível esse possa ser sido. Mas é bom lembrar. Meu tararavô não foi escravo, não há essa categoria, de escravo natural, como afirma Kabengele Munanga. Ele foi escravizado, desumanizado. Ele existiu fora dessa condição imposta, e mesmo que tenha nascido escravizado, o que não tenho certeza, essa condição ainda sim foi imposta: a desumanização. Para além do negro escravizado, existiu um ser, dotado de cultura, crenças, hábitos e costumes. Existe uma história de lutas, vitórias, sorrisos e lágrimas.
Para além de uma história negra brasileira, estereotipada, existe a história de Zumbi, Dandara, Aqualtune, Tereza de Benguela, Ganga Zumba, Luis Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, Carolina Maria de Jesus, Beatriz do Nascimento, Abdias do Nascimento, Mestre Bimba, Mestre Pastinha, Aleijadinho, Machado de Assis, Mãe Menininha do Gantois, Pinxiguinha. Muito além de uma história catarinense abordada pelo viés historiográfico branco, existe a história de Cruz e Souza, Antonieta de Barros, Neide Maria Rosa, Ildefonso Juvenal, Valda Costa, Neusa Borges, Julia Christina do Nascimento, Adelaide Maria de Jesus Nascimento, Lu Kilombola, Dinha Corrêa, Aleida Corrêa, Jeruse Romão.
Para lá de uma história imbitubense exclusivamente açoriana, está a história de Romeus Pires, Tião, Tesoura, Pedro Paulo, Tinga, Amaro Aleixo dos Reis, Otacílio Fávero de Souza, Natalício Felix da Silva, Coraci David da Silva, Célia David, Coraci David, Natalício Félix, Agenício Félix, Gervázio Plácido, Eliane Regina Pires, Genésio Agenício da Silva.
E tantos outros. Afinal, somos a maioria nesse brasil. Meu canto nunca foi só meu. Vem de longe. Papo de séculos