Muitas pessoas sabem explicar o que é o luto. Como nos sentimos, o que pode causar, quanto tempo pode demorar. Filósofos, historiadores, psicólogos, teóricos, religiosos e todo um conhecimento racional e lógico permeiam nossas crendices sobre como passar por essa fase. Mas, diante de todo conhecimento motivacional, moral e transcendente, a gente só sabe mesmo como é o luto quando uma pessoa que amamos muito se vai. Seja para outro plano, para o nada ou para o tudo. É um sentimento tão irracional e inexplicável que, à medida que nos cobramos ser firmes diante de uma situação como essa, escondemos a parte mais humana que temos. O amor que sentimos por essa pessoa.
Diante da correria do dia a dia, trabalho, estudo, casa, atividades ‘extracurriculares’, espiritualidade, enfim, toda a nossa rotina como cidadãos, a morte de alguém próximo nos paralisa. Como reagir? Eu, Érika, particularmente, me considero uma pessoa inteligente. Sempre procuro buscar explicação racional e sensitiva para todas as situações que passo. Meu passado, no qual estudei filosofia, considerando os conhecimentos de filósofos e sociólogos clássicos, me ajudam a ser quem eu sou neste momento. Minha espiritualidade e noção de não saber tudo, mas mesmo assim ser luz por onde eu passar, também me tornam a pessoa que sou hoje. Mas equilibrar meu ‘eu racional’ e meu ‘eu espiritual’ diante de uma situação de perda. A terceira perda mais importante da minha vida, choca.

Tenho todas as ferramentas necessárias para lidar com essa situação. Mas, por mais que eu tenha essa consciência, eu também sou um ser humano. Que, explicada através de conhecimentos da psicologia, me torna uma pessoa comum – apesar de eu saber que não sou, somente, uma pessoa, assim como cada ser vivo que está presente na Terra. Como muitos dos leitores que me acompanham sabem, sou o meu objeto de estudos, pois sou a única pessoa que me conhece verdadeiramente – e ainda assim subestimo minha inteligência muitas vezes, pois como o mestre da filosofia, Sócrates, disse uma vez: Só Sei Que Nada Sei. E, observando meus comportamentos com a grande ajuda do plano espiritual, reconheci diversas incertezas que me rondavam, graças à ‘graça da dúvida’.
Ao receber a notícia de que minha avó foi internada na UTI, o primeiro pensamento racional que veio à cabeça foi: Érika, você sabe que a avó é uma pessoa importante pra você, possivelmente você será afetada, de alguma forma. Minha intuição, por si só, disse logo em seguida: você não está sozinha. Este um mês em que a avó esteve na UTI, eu surtei. Meu Deus, como eu surtei. Afundei no trabalho, como se fosse uma obsessão. Perdi o equilíbrio entre o que era real e o que era fictício, pirei legal na batatinha. Mesmo assim, a todo instante, escutando a intuição falando: você não está sozinha. E eu, por muitas vezes nesse período me perguntei, será mesmo que não estou sozinha? Mas meus amados guias espirituais meio que me sacudiram diante da minha teimosia. Fiquei doente e precisei cuidar da minha saúde.
Tenho, em meus conceitos pré-definidos, que a maioria das doenças são fruto de desequilíbrio emocional, e a tosse alérgica que me afetou foi uma dessas patologias. Diante da ansiedade dela estar no hospital, desacordada, e eu sem poder estar presente, me vi em uma situação difícil. Meu corpo gritava ‘PARE’. Chegou um certo momento em que eu me senti desconectada do que eu era. Como se fosse um zumbi. O único momento que eu voltava à realidade era no canto de axé, onde sentia uma presença forte daquilo em que eu acredito.
Fui salva pela fé. Pedi uns dias de folga no trabalho, parei e refleti. Sábado de manhã, recebi a notícia de que a vó tinha partido. Eu entendi tudo. O que eu estava passando. Mesmo sabendo das ferramentas necessárias para lidar com a situação, minha avó faleceu. Eu parei. Congelei. Uma das raízes da minha vida partiu. Depois desse dia, de um lado, olhando para o que ela estava passando na UTI, senti alívio por ela. Já do outro lado, a culpa, a sensação de não pertencimento, de angústia, enfim, todos aqueles sentimentos egoístas que sentimos ao se deparar com a morte de alguém querido, permeiam o meu ser a cada manhã.

Quando, naquele final de semana de folga, olhei para dentro de mim e me acolhi como criança, foi aí que eu passei a compreender. Quem eu sou, quem eu sou sem a vó, quem eu sou sem o trabalho, quem eu sou sem as responsabilidades diárias: uma pequena criança que se sentia acolhida pelo colo de vó. Nessas duas semanas de luto pós falecimento dela, eu pensei em desistir, pensei em largar tudo, pensei em mandar o mundo para aquele lugar, vish, pensei em muitas coisas – ainda bem que não se pode ler pensamentos. Mas somente uma pequena frase me fez perceber que essa dor que eu senti não foi algo egoísta, foi por amor.
Passei a me acolher, a respeitar os dias que fico bem e os que não fico. Passei a olhar para o meu comportamento sem cobranças. No canto de axé que frequento, questionei: como os umbandistas lidam com o luto? Todos disseram aquilo que eu já sabia, teoricamente. Mas o que eu não percebia era que, a todo momento em que eu procurava fora a resposta para o meu questionamento, a solução já estava dentro de mim. Mas, nem por isso, significa que eu vá ter consciência racional sobre uma experiência que o ser humano precisa aprender a vivenciar. Nos sentimos sozinhos, abandonados, incompreendidos, sem forças, de certa forma, até sem vida.
Depois de tudo isso, eu quero mostrar a vocês, meus leitores queridos, que, por mais conhecimento, fé e racionalidade que cada um de vocês tenham, nada tirará a sensação de ‘ser humano’. Precisamos viver aquilo que a vida nos proporciona, de bom e de ruim, confortável e desconfortável, mas sempre tendo em mente que a cada obstáculo que passamos, mesmo nos acolhendo como seres humanos, não significa que não devemos superá-los. Eu ainda estou no começo, afinal, passaram-se apenas duas semanas, mas a cada dia que passa, uma peça vai se encaixando.
Não esqueçam de tirar um dia, dois ou três de reflexão. Isso muda a visão que temos da vida. Coloquem muitas coisas em dúvida, mas sempre com uma certeza: isso também passa.

Acredito que com o tempo as coisas vão se ajeitando. Parafraseando o mestre Lulu Santos: “a vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito”.
