Integrante de associações comunitárias e movimentos da praia do Rosa e de toda Ibiraquera, uma das maiores defensoras do local e envolvida na implementação do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Baleia-Franca na região norte de Imbituba, Maria Aparecida Ferreira, a Cidinha está indignada com o processo de pedido de suspensão do Plano, movido por empresários, por meio de suas associações, de Imbituba (ACIM), Laguna (ACIL), Tubarão (ACIT) e Jaguaruna (ACIJ), dado procedimento pela Justiça na última semana.
Ainda perplexa com a atitude dos empresários, a ativista comunitária fez duras críticas aos “homens de negócios” responsáveis pela suspensão.
“Ridículos! Desrespeitoso! Uma falta de ética absurda! Fizeram parte de todo o processo, teve perdas e ganhos para todos. Não aceitam perder na democracia!!”
Sobre as afirmações feitas no processo do Plano de Manejo da APA BF, Cidinha é enfática, já que participou de boa parte das incursões na região de Ibiraquera junto com o ICMBio.
“A ceder, nada! O plano ficou uma coisa acabada, perfeita! Até porque ele pode ser renovado de quatro em quatro anos. Mas, foi um processo exemplar! E agora Um acordo social quebrado por puro egoísmo. Chega ser insano. Afinal, uma unidade de conservação sem ferramentas de gestão para manter os recursos naturais minimamente equilibrados serve para quê? Ou melhor, para quem? Bom, com certeza a resposta da última pergunta já temos, né?”, questiona retoricamente em tom de ironia.
Sobre o conselho formado para dirimir o Plano de Manejo e a implantação do Turismo de Observação de Baleias Embarcado (TOBE), Cidinha também esclarece. “E o pior: estes que pediram para suspender são conselheiros da unidade. Me pergunto: qual o papel de um conselheiro de uma unidade? É para querer só o que lhe interessa? Ah, agora, o Tobe na atividade, aí querem né? Claro! O que convém, pode acontecer. Por fim, é triste tudo o que estamos vivendo nas diretrizes ambientais do Brasil”, lamenta a moradora de Ibiraquera.
Cidinha lembra da tentativa de implantação de uma Reserva Extrativista (Resex) em Ibiraquera, em que foi usado o mesmo argumento, à época.
“Estou tranquila no que falo. Nos sentimos traídos por uma parte da sociedade que acha que o dinheiro compra tudo. Saúde ambiental dos nossos ecossistemas não tem valor algum. Quando lutamos por nossa Resex, a desculpa era que já tínhamos leis. Tá aí: nossa lagoa quase destruída. Agora não querem o Plano de Manejo com a mesma desculpa. Hipócritas! Sabem perfeitamente que o plano iria barrar a destruição que querem fazer nas nossas áreas frágeis. E olha que ele (o Plano de Manejo) ficou super brando! Enfim, o tempo irá falar o que estou dizendo”, prevê a ativista.
Entenda o caso
O Tribunal Regional Federal da 4ᵃ Região (TRF4) suspendeu o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Baleia-Franca, atendendo a uma ação judicial coletiva movida por associações comerciais e empresariais de Laguna (ACIL), Imbituba (ACIM), Tubarão (ACIT) e Jaguaruna (ACIJ). A ação questiona os estudos técnicos que foram utilizados para elaboração do plano de manejo, conflitos de zoneamento com os planos diretores já consolidados dos municípios, prejuízo para as políticas públicas de zoneamento e regulamentação do território, restrições que proíbem novas construções em áreas de preservação permanente e atividades econômicas específicas, entre outras.
O Plano de Manejo finalizado e aprovado por portaria do ICMBio em dezembro do ano passado, define normas específicas para o território composto por nove cidades do litoral Sul do Estado, visando o cumprimento dos objetivos de criação da Unidade de Conservação (UC). O mais importante deles é a conservação dos mamíferos Austral, mas também ordenar e garantir o uso racional dos recursos naturais da região, a ocupação e utilização do solo e das águas, o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego local de embarcações e aeronaves.
A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) define que toda Unidade de Conservação (UC), como a APA da Baleia-Franca, por exemplo, deve elaborar o seu Plano de Manejo conjuntamente com o Conselho da Unidade. Ele define o zoneamento da UC, permitindo que ela se organize espacialmente em zonas sob diferentes graus de proteção e regras de uso, incluindo, também medidas para promover a integração da UC à vida econômica e social das comunidades vizinhas.
O plano de manejo é na verdade, uma política pública para o uso e ocupação do território que compõe uma unidade de conservação federal, por possuir características específicas que demandam proteção diferenciada. As propostas de zoneamento e normas de uso foram desenvolvidas coletivamente por dois anos com a sociedade e um grupo de trabalho técnico formado por especialistas, pesquisadores e conselheiros da APA, juntamente com a equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Plano definiu nove zonas
O zoneamento proposto pelo plano de manejo da APABF define no total nove zonas de uso e ocupação, DESTAS três aplicáveis à porção marinha e estuarina e oito à porção terrestre (duas das zonas se repetem em áreas terrestres e marinhas). As terrestres foram classificadas em: zonas de conservação, de uso restrito, uso moderado, produção rural, populacional, urbanizada, uso múltiplo (praias) e uso divergente. As marinhas e estuarinas são três: as zonas de conservação, de uso múltiplo e de manejo dos recursos pesqueiros.
Turismo embarcado de Baleias também está suspenso
O turismo embarcado dos cetáceos havia sido autorizado com publicação de portaria do ICMBio em dezembro de 2018. Este ano o ICMBio lançou o edital de cadastramento para empresas interessadas em realizar a atividade.
Ao todo, cinco empresas se inscreveram e vinham cumprindo as etapas de execução do edital, até que uma nova ação judicial movida pelo Instituto Sea Shepherd Brasil foi acatada pelo Tribunal Regional Federal da 4ᵃ Região (TRF4), aumentando as condições para a liberação da atividade. Além de um plano de fiscalização, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) terá que elaborar estudos de viabilidade e plano de manejo, bem como realizar o licenciamento da atividade.
O ICMBio ajuizou defesa junto à Advocacia Geral da União solicitando a liberação da atividade ainda nesta temporada, que já estava liberada pela justiça após apresentação de um Plano de Fiscalização e Normatização apresentado pelo próprio órgão federal, além da conclusão do plano de manejo da UC, que foi exigência na época. Após o anúncio de suspensão do plano de manejo na semana passada, a gestão da APA comunicou a suspensão das atividades que eram realizadas de capacitação das empresas cadastradas para realização do turismo.